Casos de Aids entre jovens aumentam mais de 50% em 6 anos no Brasil
O programa Fantástico acompanhou jovens soropositivos no país. Nos Estados Unidos, médicos desenvolvem comprimido que previne contaminação em até 92%
Segunda-feira (1º) é o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, uma doença
que infelizmente ainda precisa ser lembrada. O doutor Dráuzio Varella
explica porque a Aids voltou a assustar e preocupar: “Houve um aumento
absurdo dos casos de Aids entre os jovens nos últimos anos. Neste
sentido, o Brasil vai na contramão do que acontece em outras partes do
mundo”, afirma.
O aumento é de mais de 50% em seis anos. “O principal motivo é o
comportamento sexual dos jovens. Acham que hoje ninguém mais morre de
Aids, que se pegar o vírus é só tomar remédio e está tudo bem. Está tudo
bem, não. É uma doença grave. Vai ter que tomar remédio a vida inteira.
A Aids é uma doença grave, que causa sofrimento e não tem cura”,
alerta.
“Quando eu saio à noite eu quero me divertir, me alegrar, distrair a mente um pouco”, conta um jovem.
Sábado à noite, Ivan, Guilherme e Edson saem para a balada. A cena é
comum em qualquer cidade do Brasil e do mundo. Ruas, bares e boates
lotadas de jovens. “Noitada perfeita é isso: bebida, amigos e mulher”,
diz um jovem.
“Curtir, beijar na boca”, conta outro jovem.
“Conhecer alguém e ficar”, afirma outro jovem.
“É, hoje eu espero que tenha muita azaração, beijo na boca. Isso”, diz Ivan.
Ivan, Guilherme, Edson. Olhando para eles, você conseguiria dizer quem é portador do HIV?
“Eu sou soropositivo e descobri que tenho HIV com 23 anos. Eu tinha um
relacionamento. A gente morava junto e tal. Ele sentou no sofá comigo e
falou: ‘Olha, eu fiz o exame e o exame deu positivo’. Eu perguntei qual
era o exame. Ele falou para mim e falou: ‘Fiz o exame de HIV’”, lembra.
Mesmo estando em um relacionamento estável, Ivan contraiu o vírus da
Aids. Foi contaminado pela pessoa em quem mais confiava. “Hoje eu tenho
certeza que a Aids não tem cara. Certeza absoluta”, conta.
Ivan faz parte de uma estatística preocupante. “A taxa de detecção de
Aids entre jovens de 15 a 24 anos vem crescendo em uma velocidade bem
maior que da população em geral”, diz Jarbas Barbosa, secretário de
Vigilância e Saúde do Ministério da Saúde.
Desde 2006, os casos de Aids nos jovens entre 15 e 24 anos aumentaram
mais de 50%, o que quer dizer mais jovens soropositivos. No resto do
mundo, o número de novos casos de HIV entre os jovens caiu 32% em uma
década. Por que estamos indo na contramão?
“A gente não deixa de transar porque não tem camisinha”, conta um jovem.
“A rapaziada de hoje em dia, não pensa muito nisso”, diz outro jovem.
Hoje é possível saber em menos de 20 minutos se você está ou não
infectado com o HIV. Um teste rápido, que pode ser feito de graça na
rede pública de saúde, disponível para qualquer um. Não precisa marcar
hora: é chegar e fazer.
Rafaela transou sem camisinha, há um mês, e agora veio se testar.
“Estava solteira, acabei conhecendo pela internet, a gente se envolveu.
Fui na casa dele, chegou lá, não tinha, desprevenido. Acabou
acontecendo. No dia seguinte fiquei naquela neurose, estou aqui hoje
para fazer o teste”, diz Rafaela Pessoa de Araújo, de 19 anos.
Rafaela tem motivo para se preocupar. Ela já viu de perto como é viver
com o HIV. “Minha mãe faleceu. Ela era portadora do vírus. Ela tinha
muito cuidado para não contaminar os filhos. Cuidado redobrado”, conta.
Mesmo vendo o sofrimento da mãe, ela se descuidou. A médica traz o
resultado: “Você não tem o vírus do HIV. Como você está se sentindo?”,
pergunta.
“Aliviada. Acho que vai me conscientizar mais a me cuidar, a ter a postura de levar a camisinha”, responde.
Ela teve sorte dessa vez. Uma segunda chance que nem todo mundo tem. Na
última década, 34 mil jovens contraíram o vírus da Aids. Basta um
deslize, uma única vez sem preservativo para se contaminar.
Mas se transar sem camisinha, como Rafaela, você sabe o que fazer? Não
adianta você esquecer de usar camisinha e sair correndo para fazer o
teste. O exame leva 3 a 4 semanas para ficar positivo. Em vez disso,
procure a rede pública para receber o tratamento preventivo, os remédios
que vão evitar que o HIV penetre o organismo. Não é para fazer isso
todo fim de semana. É uma medida de emergência, que deve ser tomada no
máximo 72 horas depois do contato sexual. Passou de 72 horas é tarde
demais. O tratamento dura um mês, e os remédios devem ser tomados todos
os dias, rigorosamente. Falhou, perdeu o efeito.
Esses remédios de emergência, chamados de profilaxia pós-exposição, ou
PEP, estão disponíveis da rede pública, mas pouca gente sabe. No ano
passado, foram usados pouco mais de 20 mil kits de PEP em todo o país.
“Existe hoje uma falsa sensação de que a Aids está controlada. Que a
Aids não existe mais. Porque não estamos mais vendo na mídia grandes
ícones falecendo com essa doença”, diz Fernando Ferry, clínico geral
especializado em Aids do Hospital Gaffrée Guinle, no Rio de Janeiro.
No início dos anos 90, Cazuza expôs ao público a luta pessoal contra a
doença. Depois dele, em 1996, foi Renato Russo quem morreu de
complicações da Aids.
Drauzio Varella: O Renato Russo foi talvez a última pessoa muito conhecida que morreu de Aids, não é, Dado?
Dado Villa-Lobos: Acho que sim. Contrariamente ao Cazuza, ele preferiu o sigilo, o segredo.
Dado Villa-Lobos: Acho que sim. Contrariamente ao Cazuza, ele preferiu o sigilo, o segredo.
Dado Villa-Lobos tocava com Renato Russo no grupo Legião Urbana. Ney
Matogrosso foi amigo e namorado de Cazuza. Eles lembram bem como era
naquela época, quando a Aids matava em poucos meses.
“Houve uma semana que eu fui três vezes ao cemitério porque as pessoas morriam assim uma por dia”, conta Ney Matogrosso.
“Quem se criou e cresceu depois não acredita nessa doença. Então as
pessoas não estão nem aí para essa doença. É como se a doença não
existisse no mundo”, diz Ney Matogrosso.
Mas morrem 11 mil por ano no país. É muita gente.
“O remédio que existe é um remédio maravilhoso porque as pessoas não
morrem e não se acabam do jeito que se acabavam, mas não é a cura. Não
tem a cura ainda”, lamenta Ney Matogrosso.
Cazuza e Renato Russo morreram antes que o coquetel de remédios, os
chamados antirretrovirais, que ajudam a controlar o HIV, se tornassem
realidade, a partir de 1996. Os remédios fazem com que o vírus pare de
se multiplicar e entre em um estado de ‘dormência’. A pessoa não
desenvolve mais a Aids.
O número de mortes diminuiu drasticamente, e permitiu aos portadores do HIV viverem uma vida quase normal.
Ivan toma os medicamentos do coquetel diariamente. “Eu tomo seis
comprimidos, de 12 em 12 horas. Tomo há três anos, todos os dias”,
conta.
Além da obrigação de ter que tomar esse monte de remédios todos os dias
para o resto da vida, os pacientes também sofrem efeitos colaterais.
“Meu primeiro efeito colateral foi tontura, a náusea e, no caso, eu na
hora de dormir tinha muito pesadelo. Eu tenho essa percepção de que eu
preciso da medicação para viver. Mas eu posso parar de tomar a medicação
agora e daqui a um mês, dois meses, uma semana, eu cair doente dentro
de um hospital”, diz.
Um em cada cinco jovens não aguenta essa rotina e abandona o tratamento.
Marvin Jerônimo Teixeira: Eu descobri que estava doente ano passado.
Drauzio Varella: Você tratou e parou no meio do tratamento?
Marvin: Isso. Tinha dia que eu tomava, tinha dia que eu não tomava. Eu achava que um dia não vai me matar. Ficar um dia sem tomar meu remédio.
Drauzio Varella: Você tratou e parou no meio do tratamento?
Marvin: Isso. Tinha dia que eu tomava, tinha dia que eu não tomava. Eu achava que um dia não vai me matar. Ficar um dia sem tomar meu remédio.
A Aids se desenvolveu. Resultado? “Eu estou perdendo a visão”, conta Marvin.
“A visão dele tem sido afetada por um vírus chamado citomegalovírus.
Esse citomegalovírus destrói a retina. Vai ficar cego do olho direito e
nós estamos tentando salvar o olho esquerdo”, explica o médico.
Marvin era pintor de paredes. Sem a visão, não tem mais como trabalhar.
“Eu achava que eu não ia pegar isso, que não ia chegar a encontrar
isso”, conta.
Como ele, um terço dos jovens diz não usar preservativo quase nunca ou nunca, de acordo com uma pesquisa da Unifesp.
“Eu achava que era de homossexuais”, afirma Marvin.
“O que tem nos preocupado muito é que uma grande quantidade de meninos
de 20, 21, 22 anos, estão comparecendo ao nosso hospital já com Aids
avançada e com doenças graves”, diz o doutor Fernando Ferry.
“Entre os jovens de 15 a 24 ela vem crescendo, principalmente entre os
jovens do sexo masculino. É um crescimento importante. Em uma década
cresceu praticamente 68%”, diz Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância e
Saúde do Ministério da Saúde.
Na população geral, quatro em cada mil pessoas são portadoras do HIV.
Mas entre os jovens gays, esse número é 20 vezes maior: 100 em cada
1.000. Hoje, 150 mil pessoas no Brasil não sabem que têm a doença.
Ainda não existe cura para quem tem HIV, mas a esperança pode estar em
quem não tem o vírus. Um único comprimido, que, tomado rigorosamente
todos os dias, previne a contaminação em até 92%. A profilaxia
pré-exposição, ou PREP, já é uma realidade nos Estados Unidos. Uma
revolução na prevenção da Aids.
"É a primeira vez em 30 anos que descobrimos uma alternativa para
prevenir o HIV além da camisinha. Isso muda tudo. É maravilhoso", diz
Howard Grossman, médico e pesquisador especializado em HIV.
Esse remédio já fazia parte do coquetel para o tratamento dos
portadores do vírus, mas os cientistas descobriram que ele também
funcionava em quem não tinha o vírus, mas de forma diferente: criando
uma barreira de proteção e impedindo o HIV de se instalar nas células da
pessoa.
Damon é um dos que resolveram aderir ao PREP. "Alguns médicos acham
que, por tomar esse remédio, as pessoas vão parar de usar camisinha. Mas
não é isso. O remédio é para reduzir o risco de contaminação", diz o
paciente Damon Jacobs.
No Brasil, uma pesquisa da Universidade de São Paulo e da Fiocruz, no
Rio de Janeiro, ainda está na fase inicial de testes para esse remédio.
Só deve estar disponível para os brasileiros daqui a dois anos.
O remédio só consegue evitar a transmissão do HIV, e mesmo assim não é
100% seguro. Por isso, é fundamental continuar usando camisinha. Até
porque existem outras doenças tão graves quanto a Aids que também são
sexualmente transmissíveis. É o caso da Hepatite B, por exemplo, que
pode ser fatal. Tem que usar a camisinha, sempre. A ciência faz a parte
dela. Mas para controlar a epidemia, você também tem que fazer a sua
parte.
“Desde dezembro, quem testa positivo para o HIV já começa o tratamento
imediatamente. E isso a gente espera que em 4, 5 anos já produza uma
redução muito importante na transmissão do HIV no Brasil”, diz Jarbas
Barbosa.
“As campanhas só ‘Use Camisinha' não terão a repercussão necessária. É
preciso mudar. Sem educação não há mudança de cultura”, diz Regina
Bueno, coordenadora do grupo de jovens Vivendo e Convivendo com HIV e
Aids.
Depois de um mês internado, Marvin volta para casa. Sem a visão, os
pincéis e a tinta agora são apenas uma lembrança da profissão que teve
desde menino.
“Sem a visão vai ser difícil. Não sei o que eu vou fazer. Eu só acho
que eu estou muito novo para morrer agora. Uma coisa eu sei: eu não
desejo o que eu estou passando para ninguém, não. Peço que as pessoas se
cuidem melhor, pensem direitinho. Se eu soubesse que ia ficar assim, eu
tinha me prevenido. Tinha me cuidado, usado preservativos. Cuidado
melhor de mim”, lamenta Marvin.
Fonte:
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/11/casos-de-hiv-entre-jovens-aumentam-mais-de-50-em-6-anos-no-brasil.html
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